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Argumentos científicos no debate sobre o aborto

Muitas das discussões sobre o aborto, atualmente no Brasil, parecem excluir a racionalidade o os argumentos científicos. O tema pode ser analisado segundo uma perspectiva da saúde.

A Academia Nacional de Medicina – ANM, cuja história se confunde com a história do Brasil, pois foi fundada em 1829, pelo imperador D. Pedro I, mantém seu objetivo, que é contribuir para o estudo, a discussão e o desenvolvimento da medicina, além de servir como instituição de consulta para o Governo Brasileiro, no que se refere à saúde e educação médica.

Em novembro deste ano, a ANM enviou carta aberta à ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF) defendendo a descriminalização do aborto até a 12º. Semana de gestação.

A prática do aborto é bem mais antiga do que a Academia de Medicina, o STF e o Congresso Brasileiro, estando enraizada nos costumes de todas as culturas, desde a antiguidade, como parte da prática das mulheres ao lidar com o próprio corpo e a gestação indesejada.

A interrupção da gravidez sempre foi praticada, através dos mais diversos métodos, que variaram conforme o acesso aos recursos para a intervenção e o conhecimento dos mecanismos da reprodução e da anatomia feminina.

Por que as brasileiras devem ser impedidas do acesso a intervenções médicas seguras? O debate sobre a proibição do aborto no Brasil, que acontece atualmente, ocorre porque uma parte da população o desaprova, mas, segundo a tendência mundial e a história, não há indicações que a proibição vai impedir sua prática milenar, por parte das mulheres.

O que está em jogo, no entanto, é se essas práticas continuarão a ser perigosas e produzindo sequelas, em procedimentos clandestinos
ou poderão ser parte de políticas públicas que ofereçam intervenções seguras e salvem vidas.

Argumentos científicos no debate sobre o aborto

Imagem: Getty

A PEC 181, que pode tornar crime até o aborto hoje permitido

O Projeto de Emenda à Constituição, PEC 181/2015, foi aprovado em Comissão especial da Câmara dos Deputados, sem representação feminina, e deverá seguir para o plenário para ser aprovado, quando precisará de 308 votos, em dois turnos. O projeto prevê a proibição de qualquer tipo de aborto, mesmo nas exceções hoje previstas na Constituição, que incluem o estupro, anencefalia do feto e risco de vida da gestante.

Atualmente a lei que criminaliza o aborto já é ineficaz, mas ela tem efeitos diversos, conforme a classe social e a cor. As mulheres com maior poder aquisitivo pagam as clínicas onde são bem atendidas. As mulheres pobres e principalmente negras são as mais penalizadas pelas consequências de um aborto clandestino.

Estudo do Instituto de Medicina Social da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) apontou que as mulheres negras e analfabetas tem risco de morrer 2,5 vezes maior do que as brancas, com perfurações no útero, intestino, infecções e esterilidade.

A PEC se fundamenta na definição da vida a partir da fecundação do óvulo, conceito que justifica o discurso dos que são contrários ao aborto, sem permitir o direito de escolha das mulheres. O argumento não tem base científica, apenas se apoiando em dogmas religiosos, considerando o embrião como “pessoa humana” a partir da concepção, a quem deve ser garantido o direito à vida.

O embrião até 12 semanas de vida

Entretanto, até pelo menos o final do segundo mês de gestação, o embrião não se caracteriza como pessoa humana, ele é uma promessa. A forma humana ou sistema nervoso somente aparecem no terceiro mês de gestação. Muitos cientistas afirmam que não há como chamar o embrião de pessoa humana e não se pode outorgar a ele os mesmos direitos de uma pessoa formada. Não há como contrapor o direito à vida da mãe, pessoa humana, muitas vezes com outros filhos para criar, com um
embrião. A mãe tem direitos que precisam ser respeitados e sua vida é valiosa para si mesma e indispensável para a família, o trabalho e a comunidade.

O debate passional sobre o que seria o começo da vida humana não pode se sobrepor aos argumentos legais, sociológicos e científicos sobre o assunto, que consideram a proteção vida da mulher e respeitam sua decisão.

A análise do direito

Segundo a interpretação jurídica, é preciso considerar o argumento da proporcionalidade, isto é, existem direitos do feto, ainda em formação, sem capacidade de existência, a não ser no corpo da mãe, e os direitos da mãe, pessoa humana adulta.

O embrião em formação tem, na verdade, a expectativa de direito, mas essa é uma premissa falsa, porque ele ainda não existe como pessoa. O direito do feto não pode submeter o direito da mãe ou privar a mulher de direitos. Essa é uma atitude irracional.

A palavra da sociologia e da saúde pública sobre o aborto

Os dados colhidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que sistematiza informações sobre a saúde pública no mundo inteiro, informam que todos os anos são realizados 22 milhões de abortos inseguros, a maioria absoluta em países pobres. Em 2008, essa foi a causa de 20% de mortes maternas relacionadas com gravidez e parto.

No Brasil, em 2011, o Ministério da Saúde registrou 135 mortes de mulheres por aborto. De acordo com a Pesquisa Nacional de Aborto 2016, o número total de mulheres, entre 18 e 39 anos, que já realizou um aborto, ao menos uma vez, é de aproximadamente 4,7 milhões. Todos foram feitos na clandestinidade, por mulheres que em 67% dos casos já tinham filhos, 88% segue uma religião e 56% é de católicas.

Os métodos abortivos mais seguros, recomendados pela OMS, com eficácia de até 98% são os medicamentos por via oral. Nos países em que o aborto é legal e feito em clínicas especializadas e seguras, a taxa de mortalidade é de apenas 0,7% a cada 100 mil abortamentos legais, ou seja, praticamente inexistente.

Para a medicina, a discussão sobre a descriminalização do aborto é uma discussão que deve se pautar pela segurança e saúde da mulher, segundo o Dr. Thomaz Gollop, livre docente de Genética Médica da USP. O limite de 12 semanas, que inclusive foi proposto pela OMS e respeitado pelo processo em curso no STF, foi estabelecido considerando que a interrupção da gravidez nesse período é mais segura para a mulher, com risco próximo de zero para sua saúde.

Segundo a OMS, atualmente há muitos métodos seguros para interromper a gravidez, se a mulher assim decidir. Com o cuidado especializado, reduzem a maioria dos efeitos adversos que possam ocorrer, evitando a morte materna. Entretanto, uma mulher morre a cada dois dias, por complicações ligadas ao aborto ilegal.

No Brasil, há hoje 200 mil internações no SUS anualmente, em consequência de
abordos clandestinos. O que impede que as brasileiras possam ter acesso a intervenções clínicas seguras, como nos países desenvolvidos?

Legalização é apoiada por instituições de responsabilidade médica e social

O argumento de que o aborto é perigoso, não tem qualquer fundamento da medicina ou literatura científica. Pelo contrário, o aborto ilegal, de forma arriscada e em condições inapropriadas é que é arriscado. O periódico britânico The Lancet publicou um estudo, em 2016, mostrando que, nos países em que foi legalizado o aborto, houve uma redução no número de mortes maternas, como no caso de Portugal e no Uruguai.

A lei brasileira já é uma das mais restritivas, comparada com outros países. A necessidade atual é de ampliar os casos em que a mulher possa buscar apoio e assistência à saúde, decidindo pela interrupção da gravidez se assim o desejar, em um ambiente seguro, de maneira rápida e eficaz. Mesmo nos casos previstos legalmente, como de estupro ou malformação do feto, a burocracia para obtenção da permissão legal até o efetivo procedimento, é tão demorada que, em muitos casos,
ultrapassa o prazo de 12 semanas, como é o considerado seguro e ético.

A PEC 181 contraria a opinião jurídica do Supremo Tribunal Federal (STF), que analisou a questão e encaminhou o julgamento para a liberação do aborto legal, até a 12º. Semana. O projeto contraria as evidências científicas e se baseia em opiniões, ideologias e crenças, não em fatos. Contraria a posição da Academia Nacional de Medicina, da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e do Conselho Federal de
Psicologia, além demais 18 organizações, que apoiam a descriminalização do aborto no Brasil, e que já encaminharam documentos nesse sentido ao STF.

*As opiniões deste artigo são de sua autora, não representando necessariamente a opinião do site.

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