Vasectomia realizada em paciente que devia ser operado de fimose, diagnóstico de tumor benigno que se desenvolveu como maligno e levou uma mulher à morte, são exemplos de casos que chegam frequentemente à Justiça no Brasil.
De acordo com o CNJ – Conselho Nacional de Justiça, são abertas diariamente 70 novas ações por erro médico no Brasil.
Os número são impressionantes, atualmente chegam 3 novos casos por hora. Em 2017, o número chegou a 26 mil registrados, considerando-se todo o país.
Entretanto, todos esses casos só levaram a 944 processos de punição ou cassação do registro médico, no período de 2011 a 2018.
Os procedimentos lentos da justiça brasileira levam a esse resultado, que mostra o falta de solução para os problemas da saúde no Brasil, cuja origem está nas limitações do atendimento de saúde pública e privada.
A busca de ajuda no poder judiciário, no que é chamado de processo de judicialização da saúde, passa a ser a alternativa para conseguir assistência médica.
Soma-se a isso o atendimento a que falta o caráter de humanização no ambiente hospitalar, que levam a procedimentos que prejudicam o paciente ao invés de ajudá-lo, tanto no aspecto físico quanto psicológico, atingindo o ser humano num momento de maior fragilidade.
Muito pouco tem sido feito no sentido de fornecer ampla assistência aos pacientes, isso também por parte dos planos de saúde, segundo declaração de representante da Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética (Anadem), advogado Raul Canal.
Imagem: Getty
Saúde é o principal problema nacional
Segundo 55% dos brasileiros que avaliaram a saúde no país em pesquisa recente realizada pelo Conselho Federal de Medicina – CFM, a situação do setor é considerada ruim ou péssima.
Apenas 10% dos entrevistados acreditam que o atendimento que recebem é bom.
O Datafolha também publicou levantamento realizado no final de 2018, que mostrou que vinte e três por cento da população considera a questão da saúde o pior problema nacional.
Segundo 40% dos entrevistados, a solução dos problemas do setor da saúde deve ser a prioridade do governo federal.
Ainda segundo a pesquisa, o investimento no setor deve ser também para gerar sensibilidade nos gestores e profissionais de saúde para a necessidade de fornecer um cuidado especial para os pacientes, respeitando sua individualidade e cultura, para que possam alcançar um bem-estar físico e psíquico.
O ministro da saúde do novo governo, Luiz Henrique Mandetta, declarou que a pasta pretende reduzir os números de ações judiciais, ampliando o debate sobre equidade em saúde.
As ações do governo federal na administração em saúde, segundo a Anadem, serão acompanhadas de perto, diante da necessidade que existe de garantir que todos os pacientes sejam respeitados, com humanidade e dignidade.
Mas para isso é necessário que o profissional de saúde receba um apoio específico.
O volume de ações na Justiça
Em alguns tribunais é possível verificar o crescimento dos processos por erro médico, com base em seus dados.
No STJ, os novos casos passaram de 466 em 2015 para 589 em 2016 e 542 em 2017.
Em São Paulo, no TJ (Tribunal de Justiça), o maior do Brasil, os números passaram de 5,6 mil, em 2015, para 2,9 mil em 2016 e 4,6 mil, em 2017.
Esse volume de ações na Justiça está relacionado ao quadro mais geral de judicialização da saúde.
O que ocorreu é que cidadãos brasileiros buscam, cada vez mais o Judiciário para resolver problemas ligados ao atendimento de saúde e garantir o seu acesso a tratamentos e remédios de alto custo.
O gargalo para o atendimento tem sido as limitações orçamentárias do Poder Público ou problemas na gestão de operadoras dos planos de saúde.
Seguros aliviam a responsabilidade para médicos
Recentemente os seguros de responsabilidade civil profissional passaram a ter grande procura por parte dos médicos, veterinários, dentistas, fonoaudiólogos, farmacêuticos e enfermeiros.
São seguros que oferecem apólices que garantem o pagamento de despesas decorrentes de qualquer ação que sofram, relacionada com o exercício da sua profissão, como honorários de advogados e indenizações.
Segundo a Superintendência de Seguros Privados (Susep), este tipo de seguro está crescendo.
No primeiro semestre de 2018, o crescimento foi de 8% em relação a 2018. Já são 15 seguradoras que trabalham com esse segmento.
Uma delas é a Mapfre, que constatou um aumento de 10% no número de apólices adquiridas e de 18% em prêmios em doze meses, de julho de 2017 a junho de 2018 em comparação a julho de 2016 e junho de 2017.
Entretanto, o Conselho Federal de Medicina (CFM) e representações regionais da categoria não recomendam a contratação do seguro.
O motivo é que os conselhos defendem que a relação entre médico e paciente deve ser de confiança, com base na generosidade e segurança.
Se o médico está protegido pelo seguro para o caso de cometer algum erro de diagnóstico e tratamento, a relação deixa de ser de interesse autêntico e passa a ser defensiva.
Além disso, a experiência internacional mostra que a adesão da classe médica ao seguro significou um aumento no número de ações judiciais, traduzindo-se, portanto, em aumento de descaso com o paciente.
Existe também a possibilidade de pacientes mal orientados e com interesses financeiros de terceiros, no caso.
Segundo especialistas em Direito da Saúde, o crescimento do mercado de seguros para médicos mostra a tendência do mercado brasileiro estar se tornando semelhante ao americano, onde existem o maior número de ações de litígio contra profissionais da saúde.
Os alvos, tanto no Brasil como nos Estados Unidos, são os médicos especialistas como obstetras, ginecologistas e cirurgiões, que passaram a ser os mais vulneráveis a acusações de erro e precisam comprar as apólices mais caras.
Atualmente, o percentual de médicos processados nos Estados Unidos está em torno de 9%. No Brasil, esse percentual já é de 7%.
Parece que passou a existir a mercantilização da profissão, desaparecendo o médico de família, que era uma espécie de sacerdote, que gozava de confiança total e dava provas de abnegação.
O atendimento médico atual passou a ser muitas vezes rápido e desumanizado, em virtude da precariedade das instalações e condições de trabalho, com grande número de pacientes.
Por outro lado, os médicos cubanos que atendiam no Programa Mais Médicos no Brasil, até o final de 2018, cativavam os pacientes com seu enfoque na humanização do atendimento, acertando no diagnóstico, na medicação e no tratamento, promovendo a recuperação física e psicológica, com elogios de todos os que eram atendidos.
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