Estudo internacional mostra que o aumento da mortalidade infantil no país é resultado do aumento da pobreza e dos cortes em políticas sociais e programas de saúde, o que deverá se agravar nos próximos 20 anos.
A crise econômica no Brasil levou a uma pobreza crescente e a implementação de medidas de austeridade fiscal de longo prazo, que levarão a uma redução substancial dos programas de bem-estar social nos próximos 20 anos. O Programa Bolsa Família, um dos maiores programas de transferência de renda do mundo e a Estratégia Saúde da Família são afetados pela austeridade fiscal.
Em 2016, a Câmara dos Deputados aprovou a Proposta de Emenda Constitucional PEC 241, que no Senado é a PEC 55, que congelou por até 20 anos as despesas do Governo Federal. Essa medida também é chamada de PEC do Teto de Gastos.
Depois dessa medida, o índice de mortalidade entre crianças de um a quatro anos cresceu 11%, considerando informações oficiais do SUS, através do seu departamento Datasus – Tecnologia da Informação a Serviço do SUS.
Os dados mostraram que a taxa de mortalidade infantil aumentou mais entre crianças indígenas (17%). Mas crianças brancas e negras também foram duramente atingidas (14%), principalmente no estado de Roraima, onde o aumento chegou a 43%. Se forem consideradas as mortes entre indígenas, a taxa de aumento foi de 106%.

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Estudo publicado na revista científica PLOS Medicine, em 22 de maio de 2018, utilizou modelos estatísticos e matemáticos para avaliar qual o impacto da crise econômica e do corte de investimentos em saúde infantil, considerando todos os municípios brasileiros no período entre 2017 e 2030.
O trabalho publicado tem o nome de “Child morbidity and mortality associated with alternative policy responses to the economic crisis in Brazil: A nationwide microsimulation study”, realizado por Davide Rasella, Sanjay Basu, Thomas Hone, Romulo Paes-Sousa, Carlos Octávio Ocké-Reis da Fiocruz e Christopher Millet da Universidade Imperial College of London.
O estudo concluiu que, se as medidas de austeridade adotadas, em decorrência da crise econômica no Brasil, terão como consequência um aumento de até 20 mil mortes e 124 mil hospitalizações de crianças de até 5 anos de idade, até 2030. Esse efeito está ligado ao corte de verbas de programas sociais, que transferem renda para famílias que vivem na pobreza extrema, como o Bolsa Família, que beneficia 21% da população brasileira e ainda o ESF – Estratégia de Saúde da Família, que atinge 65% da população. Esses programas transferem renda para a população mais vulnerável e destinam-se a assistência social e saúde básica.
O Brasil alcançou os índices de redução em relação à mortalidade de crianças com menos de cinco anos de idade, definidos pelas metas dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, antes do prazo, em 2012, o que foi uma grande vitória brasileira. O acordo internacional havia estabelecido a redução em 2/3 da mortalidade infantil entre 1990 e 2015 e o país conseguiu apresentar a redução de 73% das mortes na infância em 2012, caindo o índice para 16 mortes a cada mil habitantes. Em 2000, a taxa de mortalidade infantil era de 30,1 por 1.000 nascidos vivos, o que, comparado a 16 por mil em 2012, mostra uma redução de quase 50% em 12 anos.
Em 2015, a taxa de mortalidade infantil era de 13,8 mortes por mil nascidos vivos. Essa queda foi de 21,9% em relação à realidade de dez anos anteriores. Segundo a análise do IBGE, isso se deve ao aumento da escolaridade feminina, o crescimento do número de domicílios que passaram a ter saneamento básico adequado, como esgoto, água potável e coleta de lixo e, o que tem importância fundamental, acesso aos serviços de saúde. O atendimento pré-natal e durante os primeiros anos de vida da criança havia melhorado.
Mas em 2016, os dados mostraram uma piora da taxa de mortalidade na infância, entre crianças de 0 e 5 anos. Uma análise realizada pela Fundação Abrinq, com dados do Ministério da Saúde, mostrou que as mortes de crianças aumentaram para 14,9 por 1.000 nascidos vivos. Esse aumento serviu de alerta para o impacto negativo dos cortes de políticas sociais e do aumento da pobreza no país.
Mortes de crianças que poderiam ser evitadas, até 2030
A conclusão do estudo de Davide Rasella, Christopher Millett, do Imperial College of London e outros, é de que, se persistirem se as medidas de austeridade adotadas pelo governo brasileiro, pela PEC 241 (PEC do Teto de Gastos), o país poderá ter 20 mil mortes a mais de crianças na faixa etária até cinco anos, que poderiam ser evitadas. Isso provavelmente ocorrerá no período que vai de 2017 a 2030, que é o período abrangido pelo corte dos investimentos em saúde e educação.
Essa projeção de aumento da mortalidade infantil está associado ao corte de verbas em programas sociais, como o Programa Bolsa Família, que transfere renda diretamente às famílias de pobreza extrema, e o ESF (Estratégia de Saúde da Família). O primeiro beneficia 21% da população brasileira, e o segundo, 65%.
Segundo o estudo publicado, se fosse mantido o orçamento anterior da saúde, que se comprometia com um razoável nível de proteção social, as mortes na infância seriam reduzidas em 8,6% (cerca de 20 mil a menos). Também poderiam ser evitadas até 124 mil hospitalizações por doenças passíveis de prevenção, como desnutrição e diarreias. Está provado que os programas sociais têm impacto benéfico direto na saúde das crianças.
Segundo o pesquisador Davide Rasella, líder da equipe que realizou o estudo, o trabalho foi realizado levando em conta os relatórios do Banco Mundial, IBGE e do IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas), que mostraram o aumento da pobreza provocado pelas medidas de austeridade fiscal, com consequências na saúde da população mais pobre. O Dr. Rasella diz que as informações que o grupo utilizou para as simulações não foram levantados pela equipe, mas são dados dos Ministérios da Saúde e do Desenvolvimento Social. As simulações utilizaram as técnicas mais sofisticadas que atualmente existem.
O trabalho foi rigoroso e depois de grande número de simulações chegou a conclusões que são um alerta sobre o impacto das decisões do orçamento público sobre as variáveis socioeconômicas. Esse impacto pode ser muito grande sobre o bem estar da população.
Rasella adverte que a situação brasileira é ainda mais preocupante do que a situação de países que passaram por crises econômicas, porque as medidas de austeridade que foram tomadas têm duração até 2030. Em outros países, medidas foram tomadas por períodos provisórios, enquanto a crise não foi vencida. A mortalidade infantil também tinha níveis mais baixos do que os do Brasil.
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